O pedido da Campanha da Fraternidade de 2006, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB): “Levanta-te, vem para o meio”, (Mc 3,3) soou como um chamado à missão ao trabalho com pessoas com deficiência, no caso com pessoas surdas, no coração do padre Gilmar Tito Ribeiro, da paróquia São José Operário, na diocese de Cornélio Procópio (PR).
A pedido do seu bispo à época, dom Getúlio Teixeira Guimarães, respondendo à uma prioridade assumida no Regional Sul 2 da CNBB, ele organizou um encontro sobre o tema: a fraternidade e as pessoas com deficiência na diocese de Apucarana (PR).
Depois deste encontro, o padre se especializou no trabalho com pessoas surdas e assumiu o trabalho como assessor da Pastoral dos Surdos. Fez um curso de libras e desde, 2006, está como assessor desta pastoral. O padre conta que a Pastoral dos Surdos, além da sua especificidade acaba acolhendo outras deficiências também, com cadeirantes, surdos cegos, surdos com visão reduzida, pessoas com deficiências múltiplas.
Desafios pastorais no trabalho com pessoas com deficiência
Para ele um dos grandes desafios para a Igreja em relação às pessoas com deficiência continua sendo a falta de instrumentos que facilitem a catequização desde no nível básico até os mais complexos. Esta dificuldade de ter acesso às informações mais completas sobre a Igreja, segundo o padre, acaba dificultando o conhecimento das pessoas com deficiência sobre temas como a liturgia, a vivência de Igreja, a Bíblia.
“É necessário criar um diretório de catequese para pessoas com deficiências”, defende.
O padre aponta ainda a quase ausência de material em braile voltado aos cegos. Segundo ele, existem ainda muitas Igrejas que não enxergam ou não estão atentas para o básico de construção de edificações na perspectiva mais inclusiva, como acessibilidade por rampas, incluindo o caminho até o presbitério, para garantir que os cadeirantes possam fazer parte da Liturgia.
“Muitas Igrejas ainda não têm essa sensibilidade de construir espaços litúrgicos e na vida comunitária mais inclusiva. Ou, às vezes, fazem coisas só para cumprir a Lei, mas não é prático e de fato, inclusivo, para cadeirantes e pessoas que tem movimentação reduzida”, disse.
Outros campos que ele aponta como necessidade de avançar são as transmissões da Igreja e as publicações em Braile. De acordo com ele, agora no período da pandemia da Covid-19 foram raras as transmissões com intérpretes de libras de lado. Documentos importantes, segundo ele, como o Documento da Conferência de Aparecida, não encontram tradução em libras. “A gente acaba esquecendo esta parcela dos católicos que não tem informação porque a Igreja não produz nada para eles”.
O Coordenador Nacional da Pastoral do Surdo do Brasil, Samuel Ferreira de Souza, confirma esta tendência. Ele cita, por exemplo, que houve uma redução do número de surdos na Igreja e de interpretes em razão de algumas comunidades ainda não terem desenvolvido a sensibilidade para a necessidade da inclusão. Ele aponta que ainda está muito longe a escuta das necessidades e da cultura religiosa surda.
Neste dia Internacional das Pessoas com Dificiência, 3 de dezembro, a experiência de trabalho com pessoas surdas desenvolvido pelo padre Gilmar Tito Ribeiro, da paróquia São José Operário, diocese de Cornélio Procópio (PR) tem muito a nos ensinar sobre o trabalho da Igreja no Brasil com pessoas com deficiência.
Apesar destas dificuldades que ainda persistem, o presbítero reconhece que houve muitos avanços desde a Campanha da Fraternidade 2006. “A gente vê com esperança e alegria deste a CF 2006 que provocou a todos para olhar com mais cuidado com as pessoas com deficiência. Ele destaca também o Encontro Nacional da Pastoral do Surdo e dos Interpretes Católicos realizado de 22 a 25 de janeiro e 2020, encontro que contou com recursos do Fundo Nacional da Solidariedade, constituído com recursos das campanhas da fraternidade promovidas pela CNBB.
“Dá bastante alegria de ver, por exemplo na minha diocese, coroinhas surdos, incluídos na Liturgia, trabalhando nas comunidades. Quando a gente celebra casamento de surdos, como já realizei alguns aqui na diocese”, disse.
O Coordenador Nacional da Pastoral do Surdo do Brasil, Samuel Ferreira de Souza, informa que para 2022, a pastoral vai retomar a capacitação em Libras. De acordo com ele, a Linguagem Brasileira de Sinais é a forma de expressão fundamental para a pregação dos sermão, catequese, acolhidas e atividades n as comunidades. Ele aponta ainda a necessidade de todos caminharem de mãos dadas, como pede o Papa Francisco, bispos referenciais da CNBB, párocos e demais lideranças religiosas.
“Todas criança se desenvolve”, defende Guia do Líder da Pastoral da Criança
Em seu Guia do Líder, a Pastoral da Criança defende, baseada em conhecimentos da medicina e da psicologia, que toda criança se desenvolve. De acordo com a Elizabeth Tunes, doutora em Psicologia, professora e pesquisadora do Centro Universitário da Universidade de Brasília, as crianças se desenvolvem dentro do que é possível de acordo com as condições que foram dadas a elas, com as condições sociais do seu ambiente e com as condições psicofisiológicas dela. Então, não existe desenvolvimento bom ou ruim, todos nós temos um desenvolvimento possível, porque ninguém tem condições sociais plenas de desenvolvimento.
Primeira Igreja para pessoas surdas do mundo é no Paraná
A Igreja Nossa Senhora do Silêncio, em Londrina, é a primeira igreja no mundo projetada especialmente para a pessoa surda. Trata-se do resultado do trabalho dos padres da Congregação Pequena Missão para Surdos. Eles chegaram ao Brasil em 1985, radicando-se em Londrina, para trabalhar e desenvolver projetos com as pessoas surdas.
Esse projeto durou 35 anos, porém sem uma grande estrutura: as missas eram celebradas na garagem do Seminário e não ofereciam todas as condições necessárias para o público. Em 2012 surgiu a iniciativa de desenvolver uma estrutura para os surdos, pensada com eles e para eles e que tivesse todas as condições necessárias. A primeira construção foi um oratório dedicado à Nossa Senhora do Silêncio, uma igrejinha de pedra onde os surdos vão para fazer suas orações pessoais.
Padre Heriberto, gualadiano, conta que a construção do oratório foi de extrema importância para os fiéis surdos, visto que eles possuem uma grande dificuldade de concentração quando se trata da oração pessoal.
A Igreja e futuro Santuário do Silêncio é administrada pela Pequena Missão para Surdos. Ela possui diversos diferenciais adequados à pessoa surda, como iluminação especial para que o foco esteja nos locais de atenção dos surdos (altar, ambão, sacrário, cruz e Nossa Senhora) e chão vibratório, que permite que o surdo perceba o ritmo da música através da vibração e o leva a desenvolver sensibilidade para a música.
A foto de capa é do Encontro da Pastoral dos Surdos da diocese de Cornélio Procópio (PR).
A experiência foi notícia no VaticanNews.
Fonte: CNBB